segunda-feira, 30 de junho de 2014

Coisas, cá da terra

A nossa terra é essencialmente a terra e as suas coisas. Pensar na nossa terra é também pensar nessas coisas, que sobre ela, a povoam. Principalmente porque fazemos por acreditar que nem a terra existe mais sem as suas coisas, nem as suas coisas existem numa outra terra. Assumindo isto, natural seria supor que há aqui uma qualquer harmonia, não fosse esta ilusão atormentada pela constatação de que já não percebemos que raio conduz tudo isto. Dar conta que há uma espécie de sarna que vai infestando a delicadeza da pele da nossa terra com estranhas coisas fungosas e que pelo coçar do tempo vai dando cabo daquelas por que sentíamos apreço.

Um incómodo que aparentemente pouco importa, porque na realidade nunca ninguém nos perguntou o que achávamos do que quer que fosse. E provavelmente se tivessem perguntado, responderíamos interrogando para quem essas novas coisas… Para quem queremos novos equipamentos comerciais, desportivos ou de lazer quando não temos a mínima consolidação de uma estrutura de mobilidade urbana… para quem queremos novas áreas urbanizáveis (que nem baldios onde agora brotam cogumelos exóticos da terra) quando as áreas habitadas estão destruturadas, dispersas… para quem queremos novas habitações quando em seu lugar poderíamos ter uma política activa de fomento à reabilitação das já existentes – cuja ruína vai contribuindo para que o conjunto das coisas cá da terra se assuma decadente.

O que é certo, é que o afastamento das populações na discussão sobre estas coisas, dirigido pelo Poder e seus representantes cá na terra, acaba por funcionar também como inibidor da própria vontade das populações em querer fazer parte, intervir e decidir. Agrava ainda a constatação de que hoje o poder local pouco mais é que um simples balcão onde se vai carimbar uns formulários, que pela brutal e constante redução das verbas para o seu funcionamento lhe deixa muito pouco espaço para a promoção de políticas de interesse público.

Há no entanto um espaço que se mantém em potência! E é neste espaço que devemos agir e exigir ao executivo camarário uma outra política urbana e arquitectónica: (1) por uma democracia participativa que inclua as populações nos processos de decisão, projecto e realização; (2) pela criação de equipas multidisciplinares de acção directa, de forma a se proceder a levantamentos sociais e físicos do território para um real conhecimento das necessidades e potencialidades da região, das suas identidades e idiossincrasias, permitindo um apoio prático e teórico abrangente, vital para o planeamento estratégico, consequente ordenamento do território e revitalização da economia e do contexto e tecido produtivo.

A Arquitectura como resposta social mas também como serviço público essencial pressupõe, pois, uma acção integrada entre os técnicos e as populações – encarando o técnico como agente determinante e como factor de progresso, que ultrapasse a figura do fiscal ou reguladorcolado’ ao poder político. Trata-se, no fundo, da necessidade da inclusão das populações no processo discussão sobre o Território, sublinhando a necessidade de se consagrar o direito, que a cada um de nós assiste, à Arquitectura: ou seja, ao espaço arquitectónico e paisagístico de qualidade, contrariando o seu já longo processo de exclusão.


Diogo Silva
publicado no Notícias de Ourém de 26/6/2014

1 comentário:

  1. Mais uma excelente colaboração. A mostrar que há gente cá da terra que sabe das coisas e que quer fazê-las. Dá mesmo gosto ler e dói as dificuldades que se sentem de fazer melhores as coisas da nossa terra.
    Abrações

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