sexta-feira, 20 de junho de 2014

Fábula fora da real

          O Zé (pode ser o Zé Povinho, bem se vê) queria ter no seu quintal uma macieira. Maçãs é fruta boa. Não é lá muito requintada, é uma coisa mais para o comum, mas dá para conservar sem dificuldades vários meses. Em duas palavras, prática e versátil.

          Foi o Zé ao mercado comprar uma macieira (podia ser o de Ourém, ou outro por aqui; desde que deixemos de lado por agora "os mercados", aqueles de "colocar" dívidas). Pouco experiente nestas coisas, aquelas estacas pareciam-lhe todas iguais, as etiquetas eram pouco claras… venderam-lhe, sem ele saber, um pessegueiro.

          Escolheu o sítio, preparou a terra e instalou a árvore no quintal. Sítio arejado, com bom sol, e deixou passar as estações. Surgiram primeiras as flores, o Zé estranhou. Depois despontaram as folhas, e aquilo, mesma na sua pouca experiência, não lhe parecia nada uma macieira. Mas o tempo tudo traz, e o Zé era paciente e sabia esperar. Formaram-se os frutos, que o tempo amadureceu, e as suspeitas confirmaram-se. Grande barrete que Zé tinha levado!

          É claro que os pêssegos também não eram maus. Mas acabavam depressa. E não havia maneira prática de os guardar para todo o ano. Fartura enquanto havia, ali em três ou quatro semanas, e o resto do ano tinha de se orientar por outro lado.

          Não era nada daquilo que tinha projetado. Agora, todos os invernos, há muitos meses sem trincar nada do seu quintal, o Zé trata do pessegueiro, um bocado dececionado. E enquanto lhe cava o pé, e o aduba, e o poda, não passa um só momento sem desejar, com toda a força do seu espírito, que no próximo ano ele dê maçãs. Mas nunca dá!

          Esta é a história que me ocorre quando vejo Portugal, ano após ano, a tentar tirar maçãs do seu pessegueiro político. O nosso Zé coletivo cai sempre nas mesmas escolhas, vota sempre nos mesmos partidos. E invariavelmente no ano seguinte volta a queixar-se dos mesmos resultados. Depois, há de dizer que não concorda nada com o rumo que o "seu" partido tomou, e vai desejar ardentemente que os "seus" políticos sigam noutra direção. Mas nunca seguem noutra direção.

          Vamos lá esclarecer isto: pelos frutos se conhece a árvore, pessegueiro não dá maçãs! Se queremos um estado que sirva a população, com médicos, justiça, educação e todos os serviços perto da população, não podemos esperar conseguir isso de partidos que querem "menos estado". Se queremos um governo que resolva os problemas das populações, não podemos contar com quem só nos prega sobre privatizações, mercados, PIB e exportações.

          Tal como nos pêssegos, tudo isso pode até ter o seu sabor, o seu interesse, curto e que não responde ao que procuramos. Todos percebem que, para haver melhores condições de vida, a solução não é reforçar a fortuna de um punhado de milionários. Mas então porque continuam a esperar maçãs de uma árvore que só dá pêssegos?

(Nota: bem sei que a minha fábula é um bocado tonta, mas pensando bem não chega a ser tão absurda como algumas escolhas políticas que temos visto em Portugal)



João Filipe Oliveira
publicado no Notícias de Ourém de 19/06/2014

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