segunda-feira, 7 de abril de 2014

Carta ao meu país ausente

Cresci no meio da esperança. Abril estava ainda fresco, muito embora – sei-o  hoje – já com as traições Barreto/Soares/Cavaco em marcha.  Lembro-me das palavras ternas, lá em casa, quando se pronunciavam as conquistas, os avanços, as esperanças… sempre as esperanças.
Das poucas vezes que vi água nos olhos ternos do meu pai, foi ao falar (gritar ternura?) da Reforma Agrária  no mais sublime slogan que a justiça usa para se vestir no alfabeto: «se lhe dás sangue e suor é justo que te pertença!» . Eram tempos de alento, de meiguice, de infância, é certo (minha e da Revolução), mas de tremenda alegria, como sempre são os Homens Povo quando sentem o destino nas mãos. 
Lembro-me do meu pai ir mostrar-me Coimbra, a Universidade, sabendo que agora estava ao alcance de todos, pois Abril era a alegria universal.
Lembro  slogans pintados nas paredes caiadas do sul (atravessado a cumprir o direito às férias que só Abril soube!) « Casas caiadas e pão!», e as letras dos coros alentejanos reforçando a certeza de melhor velhice, na assistência inaugurada com as UCP – que também trouxeram as primeiras creches (e o pleno emprego, e o pão, e o pão e o pão…).
Tive uma infância saborosa, nas guloseimas que a avó Mimi comprava com a pensão de sobrevivência que Abril lhe outorgou.   Bebi dos pacotinhos de leite que Vasco Gonçalves obrigou nas escolas para colmatar as carências das infâncias .  Os médicos (e até palhaços, sabiam?) visitaram-nos na escola primária para que a geração de Abril não soubesse  do trabalho ainda meninos nem das doenças que nenhuma infância merece.  
Vi velhos aprenderem a ler. Soube da garantia do salário mínimo. Vi crescer escolas, hospitais, saneamento básico, electrificação  das aldeias, centros de saúde, creches e o jardim infantil  onde, montado em cavalos de ferro,  sonhei um Abril ainda maior, estendendo a sua alegria a todos os meninos do mundo. 

Hoje, vendo sofrer um país real em nome de um país só visto pela especulação do neo-fascismo capitalista, vendo amigos e irmãos a abandonar a sua terra, assistindo à entrega  da nação ao imperial interesse dos agiotas, rememoro tempos contados de espancamentos, torturas, fomes. Abril está longe. Mas mesmo na noite mais triste….

António Lains Galamba
 in Notícias de Ourém, 5 de Abril 2014

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