Chegam-me ecos de que a
Feira dos Produtos da Terra teve impacto, que teria sido um êxito e que se
firma como iniciativa já com passado e com futuro.
As reflexões que tal me
suscita são contraditórias. Por um lado, encontra-se, nessa iniciativa e sua
concretização, o reflexo do que mais valorizo na sociedade, que é a capacidade
(histórica, milenar) de resistir aos ataques, às agressões, de se movimentar
como corpo vivo, de, na procura de satisfação das suas necessidades, encontrar
formas, diria… informais, de se organizar, ou seja, de, numa terminologia que
inverte e subverte o matraqueado como lugares comuns, frases feitas, “narizes
de cera”, e dá pelo nome (ou expressão) de “a crise criar oportunidades”; por
outro lado, e partindo deste papaguear, mas dando-lhe outro sentido, estas
iniciativas podem amortecer os efeitos da crise, como são exemplos, também, as
(e)migrações, tornando tolerável o que, sem essas respostas do corpo vivo que é
a sociedade, seria intolerável e mais depressa levaria às inevitáveis e
urgentes mudanças.
Mas é assim, e nunca se
defendeu (ou nunca defendemos) posições de “quanto pior melhor” para sobre as
ruinas irrecuperáveis construir o novo, como se o novo pudesse começar sem o aproveitamento
do que o velho de bom vai deixando. Uma questão a que Abel Salazar chamava
“totalização de experiência”. Sim, porque partilho a ideia de que a revolução
não é queimar a terra, é limpá-la do que a impede de produzir, é mudar a
qualidade das coisas que atingiram o seu limite de acréscimos quantitativos, é substituir,
de forma radical, as relações sociais que são obstáculo à humanidade e ao seu
futuro.
Acresce que, neste
momento (histórico como todos, mas uns mais que outros…), o economista que sou
tem de estar atento à deflação, isto é, em vez da ilusão monetária que fazia os
rendimentos das gentes correrem atrás dos preços sempre a subir, da inflação, o
ataque brutal a esses rendimentos tem de ser compensado, como num sistema
cibernético (demasiado frio/aquecimento, demasiado calor/refrigeração), com
alguns preços em baixa para que as necessidades básicas permitam a
sobrevivência. Em condições precárias porque se destroem serviços públicos como
os relativos à saúde e à educação antes de todos – vivendo com menos qualidade,
morrendo mais cedo, aprendendo menos da vida e da história, acumulando saber
seleccionado e apenas orientado para o serviço da acumulação de capital nas
mãos de poucos –, aos transportes, ao ambiente, ao viver em sociedade com
direitos e deveres, de tudo se fazendo negócio, fazendo do negócio o único meio
e do mercado o único juiz.
Pagam-se mais impostos,
desconta-se mais nos salários para melhoria das funções e tarefas que ao Estado
competem? Não! Para que quem explora o que é de todos (e, antes de tudo, o
trabalho) o continue a fazer, para que a especulação remende os desastres que
provocou sem qualquer peso, conta ou medida e prossiga na mesma senda, sem que sequer
se penalizem os que evidentemente agrediram a (sua) lei e que, com migalhas do
resultado desses crimes paguem advogados e expedientes legais que os tornem
impunes.
Esta União Europeia,
que prometido foi que faria correr rios de mel para todos, vai concentrando o
que é doce só em alguns (países e sobretudo estratos sociais), e deixando mais
fel para… os outros (países e sobretudo camadas sociais). Claro que estas
dinâmicas, servidas por estas estratégias, são insustentáveis a prazo. Mas que
se importam eles, dizia Keynes, se a longo prazo todos estaremos mortos, e há
quem se encarregue de, por menor acesso ao que é conquista de todos, ou por uso
e usofruto da mercadoria privilegiada que são as armas, encurte os prazos em
que a maioria poderia viver com qualidade humana.
Ao que me trouxe a
Feira dos Produtos da Terra! À esperança que cresce enquanto a raiva se
multiplica, como diria o/um poeta.
Sérgio Ribeiro
in Notícias de Ourém, 11 de Abril 2014
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