sexta-feira, 26 de agosto de 2016

PARA OS DIREITOS DOS TRABALHADORES, FÁTIMA É QUASE UMA OFFSHORE

Por Cláudia Gameiro - Ago 25, 2016


A equipa de dirigentes sindicais desenvolveram uma ação de sensibilização entre os trabalhadores da hotelaria e restauração de Fátima. Foto: mediotejo.net

Excesso de horas de trabalho que não são pagas, assédio moral, descontos no salário pelo tempo gasto em idas ao WC, trabalho clandestino, salários abaixo da categoria profissional exercida, pagamento consoante o número de clientes que se convenceu a entrar no restaurante… a lista parece não terminar. O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Centro esteve durante o dia 24 de agosto, quarta-feira, a promover uma ação de sensibilização junto dos trabalhadores de Fátima. O grupo vai agora enviar uma carta à Diocese de Leiria-Fátima e ao presidente da Câmara de Ourém, por forma a que os dirigentes religiosos e civis não sejam “coniventes” com a precariedade laboral da cidade durante os seis meses de maior movimento turístico.

A equipa reuniu-se na pequena sede que possui perto do Mercado de Fátima. Aí discutiram alguns pormenores da ação que iriam levar a cabo durante o dia. Antes de saírem para o terreno, o mediotejo.net passou pelo local. Com início na semana do 13 de maio, o movimento nos hotéis e restaurantes de Fátima atinge o seu auge nos meses de setembro e outubro. Segundo as estatísticas do Santuário de Fátima, esta é também a época onde visitam a cidade religiosa mais turistas estrangeiros. Com o aumento ascendente dos números do turismo e a aproximação do Centenário das Aparições, Fátima precisa mais que nunca de mão de obra.
O objetivo do Sindicado é, no final desta ação, enviar uma carta tanto à Diocese de Leiria-Fátima como à Câmara de Ourém, pedindo uma atitude mais incisiva contra a precariedade laboral e os abusos do patronato. O texto é-nos facultado, mas o Sindicato expõe a maioria das questões abordadas no documento ao mediotejo.net.
“Só o destino Fátima tem mais alojamento que o conjunto dos distritos do Centro”, resume o presidente do Sindicato, António Baião. “Para os direitos dos trabalhadores, Fátima é quase uma offshore”, defende, esclarecendo que muitos dos empresários locais ligados ao turismo simplesmente habituaram-se a contornar as exigências da lei.
Atualmente o Sindicato entra nos hotéis e restaurantes de Fátima sem grandes problemas e fala com os trabalhadores, deixa logo claro a equipa. Mas “há 25 anos tínhamos dificuldades” em empreender este tipo de ação, lembra António Baião. “Eram só contratos de seis meses”, pelo que os trabalhadores tinham receio de que se contestassem não seriam chamados no ano seguinte, explica, notando que o funcionário também se acomoda a este tipo de rotina.
Hoje a situação é diferente. Há muitos empresários que respeitam a lei, mas continuam a verificar-se incumprimentos e precariedade laboral. “Assédio moral (por exemplo dizer “A porta da rua é a serventia da casa”, mesmo com trabalhadores efetivos); excesso de horas não remuneradas; trabalho clandestino” ou ter jovens que ganham consoante o número de clientes que conseguem trazer para dentro do restaurante.
“O trabalhador tem os seus direitos”, defende António Baião, e se estes forem respeitados ele trará mais resultados. “Ao fim de 48 horas de trabalho, o empregador tem que falar com a segurança social”, frisa, explicando que chegam ao Sindicato muitas queixas de pessoas que trabalharam dois meses, adoeceram e percebem então que o patrão não fez qualquer desconto.
O Sindicato dos Trabalhadores da Hotelaria está há muitos anos em Fátima, mas só nos últimos cinco anos se tornou mais ativo. António Baião reconhece que a carta à diocese é a primeira abordagem efetiva ao “coração da Igreja Católica” e que pretende resultar numa reunião para que se debatam estes temas. “Temos situações aí em que o empresário desconta as idas à casa-de-banho”, alerta, ou que só é pago o tempo em que o funcionário esteja a atender algum cliente. “A ACT de Tomar tem que tomar uma ação mais incisiva sobre isto, se não está a ser conivente”, constata, assim como as autoridades religiosas.
Porque também aqui há maus exemplos. “Muitas destas unidades são geridas por religiosos a tempo inteiro”, comenta. Hotéis junto a edifícios de apoio social, pertencentes às mesmas congregações, que ao longo do tempo também assumiram a perpectiva do lucro. Apesar de estar muitas vezes em causa o princípio da solidariedade cristã, debate o grupo do Sindicato, este termina na “caridade” de terem contratado pessoas para trabalhar em tempo de crise, não respeitando depois os direitos laborais dos seus funcionários. “Os trabalhadores respeitam a Igreja, são católicos, mas não querem viver em clausura”, comenta o dirigente.
Na carta à diocese e à Câmara apela-se assim à intercepção “junto do tecido empresarial estabelecido em Fátima, para que se ponha termo de vez a estas ilegalidades”, refere o documento. “Acreditamos que há empresários idóneos” e honestos, frisa ainda António Baião, “mas são prejudicados pela concorrência desleal” de outros. “Também fazemos este apelo para que estes empresários honestos se movimentem”, salienta.
“Precisamos de uma restauração de qualidade”, refere o dirigente sindical, explicando que a ação se iria concentrar no “círculo” em volta do Santuário de Fátima, com incidência na Avenida Dom José Alves Correia da Silva. O Sindicato não possui números objetivos, mas estima que no pico da afluência turística em Fátima trabalhem na cidade “muito mais de 5 mil pessoas”, 50% destas de forma ilegal ou com vínculos precários.
“Também servimos para que as instituições funcionem melhor”, defende António Baião, reconhecendo que muitos dos sindicalizados o omitem ao patronato. Atualmente em Fátima, 20% dos trabalhadores legais da hotelaria e restauração estão sindicalizados e o objetivo é aumentar esse número. “Vamos continuar com esta perspetiva de que em Fátima, pelo seu elevado número de hotelaria, temos que esclarecer os trabalhadores”, termina.
Segundo dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), citados pela Lusa, a hotelaria nacional registou 1,9 milhões de hóspedes e 5,5 milhões de dormidas em junho, correspondendo a subidas homólogas de 10,3% e 9,6%, respetivamente. Já no conjunto dos primeiros seis meses do ano, o crescimento dos hóspedes fixou-se em 10,8% e o das dormidas em 11,2%. Em junho, as dormidas do mercado interno subiram 7,3%, invertendo a tendência de quebra do mês anterior (-1,3%), enquanto os mercados externos subiram 10,5%, “desacelerando ligeiramente” face ao mês anterior (+11,7% em maio), correspondendo a cerca de quatro milhões de dormidas. A estada média reduziu-se em junho (-0,7%; 2,91 noites), “contrariamente à taxa líquida de ocupação cama (+2,7 pontos percentuais; 57,5%). No período em análise, “a evolução dos proveitos foi positiva (+15,2% de proveitos totais e +15,5% de proveitos de aposento), mas aquém dos resultados de maio (+15,8% e +17,9%, respetivamente)”. Os 13 principais mercados emissores evidenciaram uma evolução globalmente positiva que se refletiu no aumento do seu peso relativo (87,8% face a 86,8% e, junho de 2015).

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