Miguel de Unamuno falava-nos da sensibilidade fina dos
portugueses, muitas vezes contrapondo-a, binariamente, à «brutalidade trágica»
dos castelhanos. Dizia que o luso povo era reflexo do Atlântico inteiro que
acarretava.
Lembro estas palavras, embora em linhas de cultura bem mais
profunda que a minha, sempre que «pego» em Andrade, Torga, Ramos Rosa, Tamen,
Cinatti, Pessoa ou, noutra dimensão daquilo que nos gregariza perante o
desconhecido da finitude, quando oiço os coros do Sul – aonde visceralmente pertenço
- dizer o que de indizível trazemos:
amargura e esperança, nostalgia e, penso, esta imensa pena de morrer que não nos
larga e que, talvez Unamuno tivesse razão, o Atlântico sempre nos lembra.
Mas o Atlântico, onde exilado da minha planície cumpro o
«castigo» económico do desemprego na minha terra, lembra-me também outra falta
maior que, não menos poética não é, por isso mesmo, menos profunda.
Dia 16 fui ao aeroporto. Evoluimos nisso, bendita seja a
verdade. Deixamos o esgoto das caravelas onde traziamos o escoburto e a
vergonha da escravatura disfarçada em sangues de canela e pimenta. Agora temos
passadeiras rolantes, pássaros de alumínio ou de fibras de carbono. Cheira a
lixívia e a vidros limpos com ajax. Mudámos os meios e as rotas mas pouco a condição. Os pobres continuam a rota
da escravatura e os (aero)portos continuam cais de lenços absorvendo as
entranhas da ternura destroçada.
Dizia, dia 16 fui ao aeroporto. 14 meses depois de trocar o
desânimo pelo incerto, o meu irmão veio de férias. Qualquer coisa como catorze
mil e quatrocentos quilómetros roubam-no aos braços dos seus pais, dos seus
irmãos, da sua namorada, dos seus animais, da sombra dos plátanos onde
lia, da ribeira onde mergulhou no pino
do verão, dos velhos do alentejo ou de trás-os-montes que tanto amava
fotografar... catorze mil e quatrocentos quilómetros que o impedem de entrar na
livraria favorita, de irmos ao teatro juntos, de percorrer as ruas, alamedas,
avenidas do seu país quando outono e os amarelos pedem muito um copo de tinto
junto ao mar.
(Durante este tempo tão doloroso, o João excerceu, em Díli,
advocacia. Prima pelo profissionalismo e competência. Só assim se justifica o
assédio que tem recebido de muitas sociedades de advogados. Nesse interim
mestrou cursos de fotografia. Sempre esgotados. Arte com que ganhou inúmeros
prémios. Dos mais recentes e principais, pela dimensão e reconhecimento
internacional, foi eleito pela Sony o melhor Fotógrafo Português. Ainda assim,
parece, para Portugal não serve, não faz falta, nada acrescenta. Percebo: no
país da fome e da subserviência a arte revolucionária cria pavor.)
Talvez tenha ainda vivido muito pouco (alguma vez se vive
muito?), mas o estremecimento que senti quando o vi descer a rampa que o trazia
dos aviões, quando o vi nos braços do pai em lágrimas, quando desmaiei de
ternura no seu abraço, fez-me ter a certeza da razão de Unamuno. Trazemos o
atlântico nos olhos. Mas é a única forma! Como aguentariamos a certeza que o
abraço de quem chega é apenas nova oportunidade para repetir o adeus?
António Lains Galamba
(por minha vontade expressa este artigo não obedece ao AO90)
publicado no Notícias de Ourém de 24 de Julho de 2014
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