segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Onde andam os carros com um “fê” atrás?

Nos agostos dos setenta, a gente ia a um arraial, ao mercado ou ao Agroal e em vinte carros,  só um tinha matrícula de cá, os outros eram de “çavás” que pagavam a despesa do balcão, o andor e davam graças ao Senhor pela França e pela abastança.  Dizem que ainda vêm cá alguns mas já não saem, dizem  que são outras gerações, dizem que já não há a diferença da moeda, dizem que  aquilo por lá também já não é o que era mas diz--se também que os números do êxodo, que agora vivenciamos, já ultrapassaram os da década de sessenta.

Digamos pois que a emigração deu volta, depois de se ter deixado de ir para lá para fazer cá casa e se passou a ir para lá para a pagar.

Cinco quartos, quatro quartos de banho, três salas, duas cozinhas, uma churrasqueira, varandas, muros e mais janelas – grande como os sonhos. Ao lado, uma outra casa de duas águas cujo alçado principal deixa adivinhar o interior e a passagem pela emigração de quem a edificou ou mandou edificar. O mesmo alçado enquadra ainda um banco, marcado por estios e invernos, no qual está sentado um homem, marcado pela idade, com a mesma vontade de falar que outros homens e mulheres da sua idade que se sentam em lugares idênticos:

- Há uma dúzia de anos atrás ele tirava mais de duzentos contos por mês nas obras. Comprou um carro novo e pensou em fazer a casa para ver se arranjava mulher. Entretanto a coisa virou para o torto e teve de ir, os bancos não perdoam!…

Conheço filho e pai. O pai veio de França há muitos anos para que o filho que lá nasceu, estudasse cá. Desenrascou-se com obra aqui e compra e venda acolá, enviouvou e o malandro não quis nada com a escola e sempre lhe deu para a colher de pedreiro do pai.

Dando uso ao banco e conversa a quem passa, não pensa no passado, fala apenas do filho e de amanhã. Não virá num carro com um “fê” atrás, nem com dinheiro que chegue para dar aos bancos, quanto mais aos santos! Não virá como o pai vinha com ele quando era pequeno, mas virá grande como ele é, saído ao pai, e alegre e bonito como era a mãe. Irá com o pai ao mercado, à festa do quinze de agosto e ao café e dirá muitas vezes “isto é mais caro do que lá”.

- Oh se ao menos quando eu morresse ele estivesse cá! Vê-los chegar é um consolo mas vê-los partir!...

Dizem que sempre houve emigração, que as pessoas têm que procurar melhores condições, que mandam dinheiro, que não pesam ao estado, que trazem sabedoria.  Mas ninguém fala do que levam e acham normal que haja um governo que (n)os aconselhe a partir.

Luís Neves
publicado no Notícias de Ourém de 15/08/2014

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