domingo, 2 de março de 2014

Uma história brasileira


Simão Bacamarte, médico famoso da pena de Machado de Assis, desconfiava que a loucura dos homens não era uma ilha pequena, era um enorme continente. Por isso, resolveu fundar a Casa Verde, um manicómio onde iria internar os loucos, para os poder estudar cientificamente. Mas achou a loucura tão espalhada, que não havia lugar para internar todos os que padeciam da doença. E assim, acabou ele próprio por se trancar sozinho no manicómio, porque concluiu que era a única cabeça lúcida de Itaguaí.

Esta pequena história do século XIX brasileiro, O Alienista, não me sai da cabeça por estes dias, desde que ouvi na TV o Passos Coelho dizer que Portugal está agora melhor do que estava há dois anos. Razão tinha Simão Bacamarte, a loucura e a alucinação estão tão espalhadas e são muito mais vastas do que poderíamos imaginar.

Ora, se toda a gente sente na carteira e na pele que os ordenados são mais curtos, os preços são mais altos, os serviços mais distantes, qual é o Portugal de que fala o primeiro ministro?
Eu pensava até àquele dia que Portugal era, resumidamente, três coisas: o povo, o território e a história.

Quanto à história e cultura de Portugal, não a vejo nada enriquecida nestes dois anos. A não ser em quantidade, Portugal está dois anos mais velho. Mas isso dificilmente se pode considerar uma melhoria. E a cultura vai-se reduzindo, entre leilões e não leilões de Mirós e outros do género.
O território parece que é o mesmo, sem melhorias significativas, porque as obras pararam todas nos dois últimos anos. O que há a mais são os prejuízos do recente temporal. E há uma nova pretensão de que somos, à conta de um par de cagarras que o Presidente anilhou, mais mar do que terra. O que também não é muito reconfortante.
Quanto ao povo, está global e claramente pior do que estava há dois anos. Com menos dinheiro e menos oportunidades.
        
De que fala então Passos Coelho? Como um novo Simão Bacamarte, Passos Coelho e o governo, falam da sua espetacular lucidez, que lhes permite ver o que mais ninguém vê. E nós todos, loucos e incapazes de ver a miragem que nos querem mostrar, não temos lugar neste manicómio em que se tornou a política em Portugal.

         
A melhor solução é sem dúvida a do Alienista: feche-se, Dr. Simão, no seu manicónio particular e deixe-nos a todos cá fora. Porque, definitivamente, estamos sintonizados em ondas diferentes.


João Filipe Oliveira
in Notícias de Ourém, 28 de fevereiro de 2014 

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