Simão
Bacamarte, médico famoso da pena de Machado de Assis, desconfiava que a loucura
dos homens não era uma ilha pequena, era um enorme continente. Por isso,
resolveu fundar a Casa Verde, um manicómio onde iria internar os loucos, para
os poder estudar cientificamente. Mas achou a loucura tão espalhada, que não
havia lugar para internar todos os que padeciam da doença. E assim, acabou ele
próprio por se trancar sozinho no manicómio, porque concluiu que era a única
cabeça lúcida de Itaguaí.
Esta
pequena história do século XIX brasileiro, O Alienista, não me sai da cabeça
por estes dias, desde que ouvi na TV o Passos Coelho dizer que Portugal está
agora melhor do que estava há dois anos. Razão tinha Simão Bacamarte, a loucura
e a alucinação estão tão espalhadas e são muito mais vastas do que poderíamos
imaginar.
Ora,
se toda a gente sente na carteira e na pele que os ordenados são mais curtos,
os preços são mais altos, os serviços mais distantes, qual é o Portugal de que
fala o primeiro ministro?
Eu
pensava até àquele dia que Portugal era, resumidamente, três coisas: o povo, o
território e a história.
Quanto
à história e cultura de Portugal, não a vejo nada enriquecida nestes dois anos.
A não ser em quantidade, Portugal está dois anos mais velho. Mas isso
dificilmente se pode considerar uma melhoria. E a cultura vai-se reduzindo,
entre leilões e não leilões de Mirós e outros do género.
O
território parece que é o mesmo, sem melhorias significativas, porque as obras
pararam todas nos dois últimos anos. O que há a mais são os prejuízos do
recente temporal. E há uma nova pretensão de que somos, à conta de um par de
cagarras que o Presidente anilhou, mais mar do que terra. O que também não é
muito reconfortante.
Quanto
ao povo, está global e claramente pior do que estava há dois anos. Com menos
dinheiro e menos oportunidades.
De
que fala então Passos Coelho? Como um novo Simão Bacamarte, Passos Coelho e o
governo, falam da sua espetacular lucidez, que lhes permite ver o que mais
ninguém vê. E nós todos, loucos e incapazes de ver a miragem que nos querem
mostrar, não temos lugar neste manicómio em que se tornou a política em
Portugal.
A
melhor solução é sem dúvida a do Alienista: feche-se, Dr. Simão, no seu
manicónio particular e deixe-nos a todos cá fora. Porque, definitivamente,
estamos sintonizados em ondas diferentes.
João Filipe Oliveira
in Notícias de Ourém, 28 de fevereiro de 2014
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