Se te sentes insatisfeito com o rumo do que vês à tua volta,
não desesperes. Levanta a cabeça, faz qualquer coisa que te preencha, que te
faça sentir homem grande e cheio de força. Sei, lá… vê o Benfica. Quando
discutires o penalti que o árbitro não viu levanta a voz e clama os teus
direitos. A dignidade de um homem não é para ser achincalhada. Exalta-te,
esbraceja, dá um murro na mesa!
Se olhares à tua volta com desconfiança, não te chateies.
Diz que são todos iguais, que querem é tacho. Aproveita e vai petiscar com os
amigos como acontece quase todos os dias. Do topo da mesa e bem certo que te
estão a encornar (eles, os políticos) chama os gatunos pelos nomes. Quando
chegares a casa, tarde e bem bebido, diz-lhes que a ti não te enganam e que não
tens nada a ver com essa escumalha. Que os políticos são todos filhos de uma
grandessíssima e haja o que houver exclui-te por inteiro de qualquer
responsabilidade. Acima de tudo, não faças nada.
Não estranhes outro banco nas notícias. Finge que sabes
quanto são os mil milhões atrás de mil milhões e olha com um ar descontraído
para a inevitabilidade que te enfiam goela a baixo. Bebe uma água com gás para
a azia e manda calar os miúdos. Não toleres faltas de respeito lá em casa. A
loiça não a lavas porque… porque não.
De vez em quando vai à missa. Leva a mulher e os filhos a
almoçar e diz ao dono do restaurante que oito horas por dia é conversa de calões.
Tu bem sabes a vida que levas. Os sacrifícios, as férias que quase nunca tiras.
Vives para o trabalho e, se vires com atenção, o trabalho és tu. Pouco mais
existe e isso é coisa de valor. És mártir da causa própria e a ti não te
enganam. Não tens tempo livre mas, verdade seja dita, ainda bem que não. Afinal,
o que farias com esse tempo?
Olhas com desdém para a ostentação de riqueza do novo rico
mas bem lá no fundo, é isso que queres. Um carro que mostre o tamanho (!) que
tens. Assim sendo deixa-te estar quieto. Não faças nada, não perguntes e não
penses. E se algum dia te der na gana de ir embora pra Pasárgada, respira
fundo. A ti ninguém te engana.
Pedro Gonçalves
publicado no Notícias de Ourém de 7/08/2014
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