A meio das férias, já a antecipar
saudades que um dia destes vou ter destes momentos de sossego e liberdade,
sobressalta-me este pensamento de quantos estão privados da primeira condição
para ter férias: ter emprego. Ou dos que já se livraram do desemprego, porque
deixaram o país para escapar a essa situação.
Mas é fácil perceber que o futuro
não nos resolverá este drama com a mesma forma de pensar do presente.
Primeiro, em séculos mais
recuados, com a chegada em massa das máquinas, os operários foram deixando o
lugar a braços mecânicos, muito mais fortes. Quantos cavadores de outros tempos
eram precisos para tratar um campo que hoje é cultivado por um trator de várias
toneladas?
Mais tarde, com a automatização
permitida pelos computadores, foi a dimensão mais "inteligente" que
foi preenchida pelas máquinas: mais rápidas, mais precisas, mais eficazes.
Quantos dedicados funcionários dos registos eram necessários para cruzar toda a
informação de faturas de norte a sul que atualmente circula nos circuitos dos
computadores das finanças? (e que em horas de aperto até conseguem ir
desencantar pagamentos fora de prazo de há uns anos, para poder emitir a
multazinha… Para onde irá esse dinheiro!)
E não custa nada imaginar que,
dentro de poucos anos, aparelhos muito mais sofisticados tomarão o lugar das
pessoas até no atendimento a clientes, de forma generalizada. Já vimos
experimentar isso nas portagens de autoestrada, já vimos os hipermercados
colocarem caixas "self-service". Não demorará muito até que o
trabalho humano seja reduzido a pequenos círculos muito especializados. Isto é,
para a grande maioria não haverá empregos.
Mas os nossos governantes
continuam a olhar para trás: aumentam o número de horas de trabalho, diminuem o
período de férias, sobrecarregando alguns com mais esforço, e reduzem as
hipóteses de um emprego a todos os outros. Dizem que é para a produtividade,
mas sabem claramente que o país só chegará ao nível de outros quando investir
em mais tecnologia e menos força humana. E só lá chegará com o caminho
contrário, quando libertar muito mais as pessoas para o tempo livre. Para usar
uma comparação inspirada num livro de José Saramago, diria que não vale de nada
ao oleiro trabalhar dia e noite para tentar competir com a fábrica de pratos,
onde toda a linha de produção é automatizada.
Por isso, recordo a notícia do
milionário mexicano que defende que se trabalhe apenas três dias por semana
como forma de dar mais tempo às pessoas para atividades pessoais (e mais
consumo, certamente). E penso nas contradições da vida: só é notícia quando é o
milionário a "reinventar" esta velha ideia.
Enfim, cá estou eu, a antecipar
saudades das férias enquanto ainda tenho o privilégio de as poder gozar. E
cheio de esperança de que os espíritos, aos poucos, se vão abrindo para a
realidade, em vez de persistirem no pesadelo do momento atual.
João Filipe Oliveira
publicado no Notícias de Ourém de 29/08/14
Boa!
ResponderEliminarum forte abraço